quinta-feira, 22 de julho de 2010

A Docência Superior e Seus Desafios Contemporâneos

Por Natan Pinheiro
Advogado

  1. Desde os primórdios da sociedade, o homem busca estabelecer uma sistemática de ensino obedecendo métodos próprios, no intuito de se contribuir com o avanço social e a consolidação das bases educacionais existentes. Entretanto, com o crescimento exponencial das nações e a mercantilização do ensino, deixou-se de lado a “disciplina” do aprimoramento individual, por não ser adequada aos anseios da economia, para valorizar um ensino voltado ao tecnicismo e à vida prática, formando-se verdadeiros autômatas sem capacidade de reflexão crítica. O desafio na educação superior contemporânea resume-se em concatenar os ideais próprios de uma instituição de ensino às necessidades da nação em que se encontra inserida, respeitando o caráter público da escola, que visa a consecução do bem estar comum.
  2. Deste modo, observa-se uma vertente predominante voltada à pragmatização do ensino, resultando em uma Universidade não produtora de agentes pensantes, incapazes de inovar, produzir e manusear o conhecimento, por adotar uma postura cerceadora da educação continuada, valorizadora de insights acadêmicos. Ao contrário, valoriza-se um imediatismo efêmero, o qual não serve de supedâneo para as gerações futuras. Daí, já se pode abstrair algumas das dificuldades vivenciadas pelo docente no próprio meio acadêmico, mas que, através de uma boa preparação, podem ser superadas.
  3. Muitas podem ser as dificuldades encontradas pelo professor em sua prática, não se resumindo estas, apenas, à insubordinação dos alunos, ou, mesmo, à deficiência da infraestrutura existente. Em verdade, a intempérie já se inicia na própria teoria educacional adotada, se comportamental, se cognitiva, ou se construtivista; no conteúdo selecionado a ser ministrado; a preocupação com as características próprias de cada aluno; a contextualização do conteúdo à necessidade vigente; etc.
  4. Entretanto, todas essas dificuldades são supríveis com a adoção de uma nova postura, na qual o professor se distancie daquele sujeito que por ser tão absoluto, por diversas vezes se demonstra obsoleto. Este sujeito, é responsável pelo tolhimento da capacidade criativa do acadêmico e esta situação é responsável pela naufrágio do sistema de ensino superior, pois retira da universidade sua principal característica: a de ser um berço da profusão intelectual e dos processos reflexivos sobre os conhecimentos já consolidados, no intuito de os aprimorar e, quiçá, modificá-los.
  5. Cada indivíduo possui características natas, assim como possui múltiplas inteligências, segundo estudo desenvolvido por Gardner, e essa diversidade de características deve ser respeitada, ao passo que também deve haver uma preocupação, por parte dos professores, em trabalhar as diversas inteligências integralmente no aluno.
  6. O referido estudo, aborda o processo de cognição humana não sendo como de por uma única forma, mas através de diversas manifestações da inteligência, as quais as denomina: Inteligência Interpessoal, Inteligência Lógico-Matemática, Inteligência Linguística, Inteligência Intrapessoal, Inteligência Corpo-Cinestésica, Inteligência Visio-Espacial, Inteligência Naturalista e Inteligência Musical. Frise-se que é comum a valorização da Inteligência lógico-matemática nos estabelecimentos de ensino, como se a mesma fosse a única forma de expressão intelectual, o que é uma pena, pois impossibilita as outras formas de manifestação intelectual.
  7. Assim, por meio do estudo desenvolvido por Gardner, o professor deve focar-se em seu aluno como um todo complexo, sendo defeso a restrição de qualquer de suas habilidades, sempre convidando o meio acadêmico a participar do processo cognitivo como sujeito ativo, dando vazão às suas potencialidades.
  8. A comunicação é extremamente relevante para o desenvolvimento intelectual do aluno, pois é através dela que o professor exprime o conteúdo a ser ministrado na sala de aula valorizando as múltiplas capacidades que os acadêmicos dispõem. Destarte, o modo como se opera o processo de comunicação professor-aluno pode ter diversas consequências, positivas ou negativas, quanto à aprendizagem e a formação do acadêmico.
  9. Em consonância com as variadas formas de manifestação intelectual, também, deve-se utilizar das mais variadas formas de comunicação: linguística, corporal, musical, sensorial, etc., a fim de que haja uma perfeita assimilação do conteúdo a ser trabalhado. Assim, o professor deve se preocupar com a clareza e objetividade em sua comunicação, permitindo, ao aluno, uma maior integração ao ambiente em sala de aula e uma consequente construção de seu conhecimento, não se olvidando suas características individuais.
  10. Durante o processo de ensino-aprendizagem há inúmeros fatores a serem observados, dentre eles a própria interação entre professor-aluno, auxiliadora na construção e reconstrução do conhecimento por meio da participação do aluno, que externaliza inquietações, dúvidas, sugestões, etc., pondo-se em uma situação de não inferioridade perante o professor. O docente deve levar em consideração as diversas teorias acerca do processo de aprendizagem.
  11. Nessa esteira, Bloom desenvolveu um estudo acerca das habilidades cognitivas, escalonando os níveis de habilidade de simples a mais complexo, elencando o conhecimento como a forma mais simples de habilidade, porquanto a avaliação demonstra-se a mais complexa.
  12. O referido estudo amplia a percepção sobre os níveis cognitivos, exemplificando, através de uma escala, o grau de apreensão do conteúdo pelo aluno. Demonstra-se bastante interessante, pois pormenoriza ao docente quando exigir e como exigir de um aluno, clarificando ser o aprendizado um processo gradual e construtivo, nos moldes dos ensinamentos de Piaget.
  13. Do mesmo modo, não se pode ignorar os estudos de Bloom acerca das habilidades afetivas dos discentes, que se deram no mesmo sentido, elaborando uma escala elencando o grau mais simples de interação ao mais complexo, entre a receptividade (mais simples) ao complexo de valores (mais complexo), que permite uma maior visualização, pelo professor, da receptação e desenvolvimento valorativo dos elementos abordados em sala de aula realizados pelo aluno.
  14. O trabalho do docente superior está condicionado a garantir ao aluno uma maior integração do ambiente acadêmico a sua realidade pessoal, possibilitando, assim, valer-se de conteúdos explorados em sala de aula para valorar o universo externo e contribuir positivamente para a consecução dos anseios da sociedade em que se encontra inserido.
  15. Observa-se que o docente superior possui inúmeros desafios a serem superados em prol de uma educação voltada para a formação de alunos mais críticos, comunicativos e capazes não só de apreenderem informações, mas de as trabalhar com plena segurança, valorando-as, modificando-as e criando novos conceitos a partir dos já preexistentes.
  16. Assim, o professor contemporâneo não pode mais se travestir na figura de um ser onipotente, absoluto e hierarquicamente superior ao aluno, mas se por lado a lado ao mesmo, desenvolvendo um processo de construção e reconstrução do conhecimento, que possibilite, a este, produzir seus próprios pensamentos através do fomento à pesquisa e à externalização de ideias desenvolvidas em ambiente acadêmico. Neste sentido, alcançar-se-á um modelo de ensino voltado à integração aluno-sociedade, permitindo-lhes a constante evolução do conhecimento, respeitando as características natas de cada partícipe, contribuindo-se, destarte, contrariamente ao modelo limitante hoje vigente, para a consecução de um indivíduo com suas potencialidades ampliadas por uma valorização de suas manifestações intelectuais.


REFERÊNCIAS

BUARQUE, Cristovam. A universidade prisioneira. Advir, Rio de Janeiro, n. 6, jul. 1995, p. 4-25. Edição especial.

DEMO, Pedro. Introdução. In: ______. Conhecer e aprender: sabedoria dos limites e desafios. Porto Alegre: ArtMed, 2000. p. 9-12.

GARDNER, Howard. Entrevista Gardner. Revista Pátio. Disponível em: . Acesso em: 02 mar. 2006.

MORHY, Lauro. Universidade na encruzilhada. Universidade de Brasília, 12 mar. 2003. Disponível em: xto=1197>. Acesso em 19 ago. 2009.

PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A sagrada missão pública. Folha de São Paulo. São Paulo, 04 jun. 2000, Caderno Mais!, p. 10-1.

SILVA, Ezequiel Theodoro da. Mal-formado ou mal-informado. In:_____. Os (des)caminhos da escola: traumatismos educacionais. 4ª ed. Cortez: São Paulo, 1992. p.23-27.


A evolução do Comércio Internacional e a Nova Lex Mercatoria

Por Natan Pinheiro
Advogado
  1. A origem das transações comerciais “internacionais” remonta aos primórdios da humanidade, sendo, as inúmeras alterações em seu modos operandi, em decorrências das novas concepções de Estado adotadas, um ponto marcante em sua evolução. Apesar de suas bases se encontrarem nas transações realizadas pelos povos fenícios, gregos, árabes, romanos, etc. foi durante a Idade Média e com a evolução do capitalismo comercial, que o Comércio Internacional expandiu, com o surgimento de uma lex mercatoria para aplicação específica pelos tribunais organizados nas feiras dos comércios ingleses. Esta referida lei tinha como supedâneo os costumes traçados pelos mercadores não levando em consideração o local em que era empregada. Assim, constituía-se um direito sem nacionalidade, que buscava atingir o animus da prática comercial existente, ao passo que, em se quanto maior a presença de um Estado Nacional, que interferia nas relações intersubjetivas comerciais, menos representatividade possuía a aludida Lex Mercatoria. Entretanto, as relações comerciais internacionais nunca perderam sua principal característica: a preservação da autonomia da vontade. Mesmo com a existência de um Estado Nacional mais atuante, as relações internacionais comerciais privadas se mantiveram guiadas pelo Direito Internacional Clássico e a vontade dos comerciantes até a Primeira Grande Guerra Mundial.
  2. Foi a partir desse meio e após o advento da Segunda Grande Guerra Mundial, que surgiu a nova Lex mercatoria, a qual não mais se fundava na simples técnica da vontade negocial, mas, outrossim, possuía inúmeras outras técnicas que solidificaram este ramo do Direito como direito “anacional”, fundado em usos e costumes internacionais, jurisprudência arbitral e contratos-tipo.
  3. A globalização é um elemento contemporâneo de extrema relevância quanto a constituição da nova lex mercatoria, dês que permitiu às relações comerciais uma maior abertura entre as nações, contribuindo com a criação de uma linguagem única entre os povos de diferentes nações e culturas. Assim, por meio deste evento típico do capitalismo e da exacerbação da autonomia da vontade, relativizou-se distância físicas e barreiras jurídicas entre as diferentes nações que compõem a comunidade internacional.
  4. Ademais, com a revolução tecnológica que as sociedades contemporâneas sofreram e compartilharam, quase que simultaneamente, diferentemente da revolução industrial, as trocas de informação e as negociações se tornaram mais céleres. Esta situação de celeridade de informações, contribui para maiores inovações nas relações comerciais atendendo às demandas que o mercado impõe.
  5. Um dos fatores de maior relevância quanto às relações internacionais no âmbito privado é a necessidade de adequação das normas adotadas à natureza das demandas, assim, fazendo-se necessária uma maior mutabilidade e maleabilidade das regras adotadas, o que, de certo, é incompatível com o modelo legalista próprio dos Estados soberanos.
  6. A nova Lex mercatoria tem como foco principal a resolução de litígios e atendimento de interesses dos agentes do comércio internacional, primando-se pela eficiência e celeridade nas relações comerciais, em consonância com o complexo normativo de cada nação de origem dos agentes comerciais.
  7. Assim, a referida Lex mercatoria compreende um arcabouço jurídico e principiológico consubstanciado a partir de inúmeras fontes que regem as relações estabelecidas entre os agentes do comércio internacional.
  8. Principais fontes do Direito Internacional do Comércio
  9. O Direito Internacional do Comércio, em razão do seu próprio progresso histórico, possui inúmeras fontes esparsas, que objetivam uma consolidação das normas do trato comercial. Dentre estas fontes, as principais são os próprios princípios gerais do direito, os usos e costumes comerciais internacionais, os contratos-tipo e a jurisprudência arbitral.
  10. Os princípios gerais de direito norteiam todas as relações admitidas perante o cenário internacional, respeitando a soberania das nações, mas, na mesma esteira, preservando a autonomia da vontade e a vinculação ao contrato (pacta sunt servanda). Busca-se, outrossim, uniformizar a legislação mercante internacional, através da reiteração dos costumes e práticas adotadas nas transações e procedimentos comerciais materializando-os em ordenamentos como, v.g., os Incoterms, Regras Uniformes sobre garantias contratuais e os Créditos Documentários.
  11. Observe-se que a uniformização das normas sobre relações comerciais internacionais termina por auxiliar em uma maior eficiência das transações e procedimentos adotados, e nesse diapasão surgem os contratos-tipos que são regulamentações (contratos padronizados), com simples modificação de matéria e objeto caso a caso, mantendo-se a “fórmula” padrão.
  12. Nos mesmos moldes do Estado Nacional, a comunidade internacional do comércio busca padronizar seus entendimentos em prol da eficiência e economicidade criando-se, igualmente, uma espécie de “Estado Internacional” constituindo regras próprias, costumes e, inclusive, uma jurisprudência própria, formulada pelos decisões arbitrais. Estas, não gozam de imperatividade jurídica perante os agentes, desde que não emitidas pelo Estado soberano, entretanto não é o defendido pelos próprios agentes internacionais, que alegam existirem mecanismos suficientes para controle das relações comerciais sem a interferência do poder Estatal.
  13. A referida matéria é de extrema delicadeza, pois, muitas vezes, pode-se interpretar uma intervenção estatal em uma relação comercial internacional, como afronta à soberania do estado no qual possui sede a empresa rechaçada. Daí se infere a real necessidade de se consolidar as regras e o trato comercial internacional, a fim de se possibilitar ao Comércio Internacional uma capacidade de auto-gestão, sem interferências diretas, ou mesmo minimizá-las, dos Estados aos quais os agentes comerciais internacionais pertencem.
  14. Como se pode abstrair, as relações comerciais internacionais são mera extensão dos direitos decorrentes da autonomia, que não podem, em hipótese alguma, serem preteridos, restringidos ou ignorados por mera arbitrariedade da vontade de um Estado Nacional soberano. Ademais, não há de se falar em soberania, em tempos de democracia, quando aquela impossibilita, aos que a legitimam, a representatividade da autonomia da vontade perante o cenário internacional.
  15. O comércio internacional tem um papel de suma importância para o exercício da cidadania e para a preservação da autonomia de um povo, devendo se valer das regras já solidificadas pela própria evolução histórica da sociedade e as experiências já vividas pela mesma.


REFERÊNCIAS

AMARAL, Ana Paula Martins. Lex Mercatoria e Autonomia da Vontade. Disponível em: . Acesso em: 26 nov. 2007.

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Intercional Privado: Teoria e Prática. Saraiva: São Paulo, 2009.


segunda-feira, 12 de julho de 2010

IPTU e o valor venal do imóvel para base de cálculo

Por Natan Pinheiro de Araújo Filho
Advogado

A legislação tributária pátria colaciona o Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana, dentre os diversos tributos que compõe a pesada carga tributária nacional, como elementar à função social da propriedade, tendo como fundamento a desigualdade social decorrente da própria formação histórica brasileira, a qual possibilitou a concentração indevida de terras nas mãos de poucos. Desta feita, tem-se o imposto sobre propriedade territorial urbana como trunfo maior da limitação do acesso à terra pelos grupos mais favorecidos, tanto é verdade que, por diversas vezes, pode-se depreender nos diplomas legais, concessão de isenção para os grupos menos favorecidos economicamente.

Neste diapasão, depreende-se do complexo normativo tributário que a base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel, demonstrando-se, ainda mais, a relevância social do referido imposto, que busca onerar mais àqueles indivíduos detentores de maior poder aquisitivo. Assim, verifica-se, igualmente, a relevância da determinação exata da base de cálculo para o correto e justo lançamento deste famigerado tributo.

Inicialmente, cumpre-se determinar o conceito de “valor venal” trazido pela legislação brasileira. Desta feita, podemos nos valer do significado trazido por AIRES BARRETO:

"Valor venal é o preço provável que o imóvel alcançará para compra e venda à vista, diante de mercado estável e quando o comprador e vendedor têm plena consciência do potencial de uso e ocupação que ao imóvel pode ser dado" (Imposto..., p. 341).

Como salientado, a referida base de cálculo é de extrema relevância para a determinação exata do quantum a ser pago ao Fisco, dês que recebeu da própria legislação que trata do referido tributo imprescindibilidade de existência de lei para que sua majoração goze de legitimidade e validade perante o mundo jurídico, não sendo possível tal aumento reputar-se válido mesmo quando estipulado meramente por decreto, quiçá quando não repousado sob qualquer ato normativo. Assim, esta insofismável condição é garantidora de segurança jurídica, sendo esta reforçada pelos princípios da legalidade estrita tributária. Senão vejamos o entendimento já sumulado do Superior Tribunal de Justiça:

Processo RE 104619 RE - Recurso Extraordinário
STF descrição votação: unânime. Resultado: conhecido e provido. veja re-87763, rtj-94/705, re-85732, re-93852, re-92009, re-91619, re-93661, re-92355, ere-85732. ano: 1986 aud:23-05-1986 ..dsc_procedencia_geografica: sp - são paulo Ementa IPTU. a apuração da base de calculo em cada exercício, mediante a reavaliação econômica do imóvel, pelo executivo municipal, segundo a previsão dos padroes da planta de valores genericos, importa majoração do tributo, vedada na lei complementar (art. 97, par. 1 do CTN). recurso conhecido e provido.

SÚMULA STJ 160 – É defeso, ao Município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.

Devido às dificuldades práticas de avaliação dos imóveis tributáveis, é comum a utilização, pelo Fisco, do valor venal “por estimativa”, assim, atribui-se, em geral, valor inferior ao que se lograria em transação imobiliária pelo preço de mercado. Entretanto, por vezes a referida estimativa apresenta um verdadeiro descompasso com a realidade prejudicando o contribuinte, dês que atribui ao imóvel tributado base de cálculo com valoração deveras superior à realidade, tornando-se insuportável o pagamento do tributo lançado pelo Fisco. Observemos, destarte, o que leciona CONTI:

No caso da base de cálculo do IPTU/ITBI não há, nem pode haver precisão matemática na apuração do chamado ‘valor venal do imóvel'. Daí a imprescindibilidade de visualizar um instrumento jurídico, capaz de determinar, em cada caso concreto, a base de cálculo do IPTU/ITBI tanto quanto possível, próximo da realidade imobiliária local, e, ao mesmo tempo, propiciar ao sujeito passivo elementos que possibilitem a impugnação do valor venal atribuído ao seu imóvel1, ofertando avaliação contraditória, se for o caso, na forma do art. 148 do CTN.

Neste diapasão, tem-se por oportuno reforçar a compreensão da majoração da base de cálculo, que, em hipótese alguma, pode se dar sem observância dos princípios inerentes ao Direito Tributário e à própria Administração Pública, como, v.g., a ampla defesa e o contraditório, não se olvidando da segurança jurídica garantida pelo princípio da legalidade tributária. Assim, quando o contribuinte sente-se lesado, este pode pleitear junto ao Fisco a revisão da irregularidade no lançamento, seja pela inexistência de lei que majore a base de cálculo, seja pela discrepância evidente entre o valor venal do imóvel e o seu de mercado, ou mesmo pela previsão de imunidades ou isenções.



REFERÊNCIAS


BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito processual constitucional: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2006.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14 ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2004.

CONTI, José Maurício. O Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI): principais questões. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/DOUTRINA/texto.asp?id=1401 Acesso em 17/05/2010. Material da 3ª aula da Disciplina Direito Tributário, Previdenciário e Financeiro, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Municipal – Uniderp – Rede LFG.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ed. São Paulo: Atlas, 2008.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24.ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2009.

terça-feira, 11 de maio de 2010

O Poder de Polícia: Debate Doutrinário Acerca da Legalidade dos Atos da Administração

Por Natan Pinheiro de Araújo Filho
Advogado



O Estado, nos moldes da obra “Leviatã” de Thomas Hobbes, era caracterizado por seu absolutismo, o qual ignorava o bem-estar coletivo e as liberdades individuais. A partir desta concepção, observa-se que a figura estatal não representava os interesses da população, subjugando-a ao bel prazer do monarca, quem, neste jus politiae, estava alheio às imposições e restrições impostas pelo Estado. Posteriormente, em meio a tantos abusos de poder, através de lutas sociais instituiu-se o Estado de Direito, sob o qual se funda o ideal de segurança jurídica e de liberdade. Senão vejamos o que leciona DI PIETRO:


Em resumo, nesta fase, conhecida como Poder de Polícia, o jus politiae compreendia uma série de normas postas pelo príncipe e que se colocavam fora do alcance dos Tribunais. Com o Estado de Direito, inaugura-se nova fase em que já não se aceita a idéia de existirem leis a que o próprio príncipe não se submeta. Um dos princípios básicos do Estado de Direito é precisamente o da legalidade, em consonância com o qual o próprio Estado se submete às leis por ele mesmo postas.

Desta feita, observa-se que, outrora, o poder de polícia encontrava-se exacerbado, anulando as liberdades individuais das sociedades e preterindo o bem estar comum. Neste sentido, inexistia o conceito de interesse público, vez que a coletividade era voltada para o bem estar e as intenções de um único membro absoluto, o Príncipe.

A contrario sensu, com os movimentos liberalistas, houve um excesso de segurança às liberdades individuais, modelo esse, também, incompatível com o propósito de interesse público essencial a existência de um Estado soberano. A partir daí, viu-se a necessidade de se regular as liberdades individuais de forma a preservar a ordem pública, mas sem ocasionar um retrocesso histórico, surgindo o conceito moderno de poder de polícia.

Pelo conceito moderno, adotado no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público.[...]O Poder Legislativo, no exercício do poder de polícia que incumbe ao Estado, cria, por lei, as chamadas limitações administrativas ao exercício das liberdades públicas.

Nesta esteira, observa-se que o conceito de poder de polícia, em respeito à segurança jurídica e às liberdades individuais, tem o princípio da legalidade como requisito imprescindível de validade. Assim, não há de se falar em poder de polícia legítimo quando não fundado em previsão legal. É de bom grado ressaltar que a Jurisprudência pátria é uníssona:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA RMS 21922 GO 2006/0090644-1 (STJ) ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRANSPORTE COLETIVO E INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS. TAXI. PENALIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. 1. A aplicação de penalidades está sujeita ao princípio da legalidade estrita. Mesmo no âmbito do poder de polícia, a Administração não está autorizada a aplicar sanções não previstas em lei. Não é legítima a aplicação a motoristas de taxi, modalidade de transporte individual, de penalidades estabelecidas para infrações no âmbito do transporte coletivo de passageiros. No âmbito do poder estatal sancionador, penal ou administrativo, não se admite tipificação ou penalização por analogia. 2. Recurso ordinário provido. STJ - 05 de Junho de 2007

Ao se tratar de atos da Administração Pública tende-se a uma aplicação inversa do princípio geral da legalidade, caracterizando verdadeira autorização de conduta à Administração. Há, nestes termos, expressa autorização legal, reputando-se nulos os atos praticados pela Administração Pública quando não previstos em lei, inclusive em se tratando de atos de Poder de Polícia.

Não se olvidando o princípio da legalidade administrativa, depreende-se que todos os atos, inclusive o Poder de Polícia estão submetidos, em regra, à obrigatoriedade de previsão legal, segundo leciona MARIA SYLVIA DI PIETRO em seu curso de Direito Administrativo. MARTINS , em brilhante exposição sobre os posicionamentos doutrinários acerca da possibilidade de atuação da Administração não amparada por previsão legal, assim explicita:

A Administração não pode no Estado de Direito atuar sem estar calçada numa norma jurídica, como os princípios não eram considerados normas jurídicas, faziam-se sempre necessárias as regras. [...]

A doutrina majoritária, como já exposto, entende pela necessidade de previsão legal para haver uma obrigação de poder de polícia imposta a um cidadão, existindo apenas a denominada discricionariedade, na qual o agente, na aplicação do poder de polícia, possui alternativas previamente estabelecidas em lei, cabendo ao agente optar pela mais conveniente ao caso.

Entretanto, partindo-se para um espectro mais formalista do conceito de “lei”, observa-se que parte da Doutrina admite haver, excepcionalmente, legitimidade de atos praticados pela Administração não fundados em previsões expressas de lei, mas amparados unicamente pelos princípios da motivação e pela própria Constituição Federal, senão vejamos:

Há, correlativamente, uma prerrogativa implícita conferida à Administração Pública de tutelar esses direitos fundamentais. Resultado: o que era um verdadeiro tabu no Direito Administrativo, passou a ser tranqüilamente admitido. A Administração pode, em casos excepcionais, editar atos administrativos não fundados numa lei, entenda-se numa regra infraconstitucional, mas sim fundados diretamente na Constituição.

Na visão de alguns autores, ressalte-se doutrina mais recente, é possível, de forma excepcional, impor restrições às liberdades, realizadas ante o caso concreto, fundadas, exclusivamente, em previsões constitucionais, vez que são suscetíveis de controle pelo poder Judiciário. Senão vejamos os ensinamentos de MARTINS:

Logo, o poder de polícia diz respeito à competência administrativa de impor na falta de lei restrições à propriedade e à liberdade, em concretização dos princípios mais pesados no caso concreto. Restringe-se aos casos excepcionais em que o princípio formal que dá primazia à ponderação legislativa (a aplicação da regra legislativa ou, na falta de regra legislativa, a omissão administrativa) é afastado. [...]

Posto isso, pode-se aduzir que o poder de polícia é instituto que vem sofrendo intensas modificações em sua concepção, vez que esta não possui seus contornos bem delimitados, apesar da inteligência conceitual do art. 78 do CTN acerca do poder de polícia. Assim, tal posicionamento acerca da possibilidade excepcional de manifestação do poder de polícia sem lei expressa previamente autorizando-a, é fruto da necessidade de se garantir a ordem social e o princípio da prevalência do interesse público, visando-se, neste diapasão, atingir o bem-estar comum em um Estado Democrático de Direito, o Estado brasileiro.



REFERÊNCIAS


BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito processual constitucional: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2006.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MARTINS, Ricardo Marcondes. PIRES, Luis Manuel Fonseca; ZOCKUN, Maurício (org.). Poder de Polícia. Intervenção do Estado. São Paulo: Quartier Latin, 2008. Material da 1ª aula da Disciplina Poder de Policia e Direito Ambiental, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Municipal – Anhanguera-Uniderp | REDE LFG.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24.ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2009.

terça-feira, 20 de abril de 2010

O Instituto da Decadência no Lançamento por Homologação

Natan Pinheiro de Araújo Filho
Advogado


A matéria tributária, apesar de sempre ser uma constante na evolução da sociedade organizada, é temática ainda recente nos debates jurídicos, explicitando sua complexidade, o que torna sua compreensão, por vezes, inacessível ao senso comum. Dentre os temas de relativa complexidade, encontra-se a aplicabilidade da decadência nos casos de lançamento por homologação.

De forma ampla e genérica, pode-se mencionar o art. 142 do Código Tributário Nacional, o qual nos traduz a concepção de lançamento tributário, consistente em “procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.
No entanto, apesar de os artigos 147, 149 e 150 tratarem das modalidades de lançamento (por homologação, de ofício e por declaração), referindo-se ao lançamento por homologação como aquele que incube o sujeito passivo a antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, este tem sido alvo de inúmeros debates jurídicos, vez que o lançamento, como já exposto supra, é ato privativo de autoridade administrativa.

CTN - Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
[...]
§ 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação.
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.


Observa-se que, por força do §4º do art.150, caso a lei não fixe prazo para a homologação, a mesma dar-se-á em até 5 (cinco) anos, contando-se da ocorrência do fato gerador e considerando o lançamento homologado e extinto definitivamente o crédito tributário. Vejamos o que lecionam MARCELO ALEXANDRINO e VICENTE PAULO, no que concerne à matéria vergastada:

[...] no caso do lançamento por homologação, não ocorre exatamente decadência do direito de realizar essa modalidade de lançamento. O que se verifica é a extinção definitiva do crédito pela homologação tácita.

A decadência está arrolada no art. 156 do Código Tributário Nacional como forma de extinção do crédito tributário, ocorrendo a mesma quanto ao direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário, segundo o art. 173 do mesmo diploma legal. Reforçando a posição dos autores supramencionados quanto à temática abordada, inexiste decadência em se tratando de lançamento por homologação, senão vejamos:

[...] O que ocorre é a extinção definitiva do crédito pelo instituto da homologação tácita, a qual tem como conseqüência indireta a extinção do direito de rever de ofício o lançamento. Em síntese, a homologação tácita acarreta a decadência do direito de a fazenda realizar o lançamento de ofício relativo à diferença de eventual imposto que tenha deixado de ser pago e aos acréscimos legais a essa diferença.

Contudo, acerca do tema, parte dos estudiosos divergem na aplicabilidade do fenômeno da decadência e superam uma interpretação meramente literal da norma jurídica em comento, possibilitando, destarte, o entendimento de existência decadencial em se tratando de lançamento por homologação no caso da homologação tácita.

Em suma, tal celeuma jurídica reside, quase que em sua totalidade, na própria natureza do instituto do lançamento por homologação, vez que se trata de legítimo pagamento antecipado pelo contribuinte submetido a análise pela autoridade tributária, no prazo legal determinado, ou no máximo de 5 (cinco) anos contados da ocorrência do fato gerador. Porquanto a natureza jurídica do instituto da decadência tributária versa sobre o direito ao crédito tributário não extinto ser reivindicado pela Fazenda Pública.

Ora, se a decadência refere-se ao direito da Fazenda Pública em constituir o crédito tributário, é de bom grado ressaltar que, em se tratando de lançamento homologação, há de se falar na existência prévia de um crédito real devido à Fazenda Pública, há um quantum devido, que poderá ser satisfeito, ou não, pelo pagamento automático realizado. Contudo, a previsão do art. 150, §4º, refere-se exclusivamente à homologação tácita decorrida nos prazos máximos legais.

Em face do sistema do Código Tributário, a Receita não se pode valer do argumento de que dispõe de mais cinco anos para lançar o tributo após o decurso de cinco anos anteriores em poderia ter lançado, mesmo porque lançamento é dever da Administração, não faculdade. O contribuinte, tampouco, pode ficar aguardando inerte o decurso de cinco anos para que seja homologado o seu pagamento, para somente a partir daí ter mais um qüinqüênio para repetir o indébito.

Em superado o prazo legal para a efetiva homologação ou recusa do pagamento realizado, e havendo manifestação da Fazenda Pública pugnando pela existência de diferença no quantum debeatur, por força do art. 150, §3º, abrir-se-á prazo decadencial sobre tal diferença, observando o disposto no art. 173 da referida lei. Neste sentido, a Fazenda Pública credora procederá com lançamento de ofício atinente ao valor devido sob prazo decadencial de 5 (cinco) anos.

No tocante aos prazos decadenciais, o Superior Tribunal de Justiça recebeu duras críticas quanto ao seu posicionamento em decisão estendendo o prazo decadencial, em se tratando da homologação tácita, por mais 5 anos. Dessarte, o prazo decadencial não compreenderia unicamente o previsto no §4º do art. 150, mas, segundo tal entendimento severamente criticado, deve ser mensurado, outrossim, pelo art. 173 do CTN, compreendo-se o total de 10 anos decadenciais, o que de fato é um absurdo.

[...] A principal conseqüência da homologação tácita é impossibilitar a fazenda de lançar de oficio quaisquer diferenças que pudessem existir entre o pagamento feito pelo sujeito passivo e o valor que teria sido devido como decorrência da obrigação tributária, porquanto esta se extingue juntamente com o crédito, pela homologação tácita.

Assim, conclui-se pela possibilidade decadencial em se tratando de lançamento por homologação, entretanto, em se tratando de homologação tácita, o prazo considera-se o prazo decadencial como sendo aquele expresso em lei, ou, em seu silêncio, o qüinqüenal. Portanto, havendo manifestação da Fazenda Pública, em dissonância com o valor pago, abrir-se-á prazo decadenciais de 5 (cinco) anos para a efetiva constituição do crédito tributário.


REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Manual de direito tributário. 6ª edição. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

BRASIL. Jurisprudência. STF. Disponível em: <>.

LINHARES, Leonardo de Oliveira. Prescrição e decadência no lançamento por homologação. JUS NAVIGANDI. Disponível em: < id="3267">.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24.ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2009.

SABAGG, Eduardo. Elementos do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2008.

segunda-feira, 8 de março de 2010

CONCURSOS PÚBLICOS E SUA NÃO OBRIGATORIEDADE FRENTE À CF/88

Por Natan Pinheiro de Araújo Filho
Advogado

Muito se tem debatido acerca das contratações realizadas pelo Estado de servidores sem concurso público, havendo uma questionada constitucionalidade das mesmas em face do princípio do concurso público, consagrado no artigo 37 de nossa Carta Magna, mais precisamente seus incisos II, V e IX. Apesar de tal previsão é praxe haver a contratação sem concurso público pelos órgãos do Estado e que muitas vezes não sabemos precisar se tal situação afronta ou não a moralidade pública, devido à tamanha complexidade da Matéria Administrativa.
Inicialmente, é de bom grado indicar a acepção de cargo e função adotados neste texto. Função Pública denota o encargo, o relacionamento, entre o Estado e seus agentes, enquanto Cargo é a ocupação instituída por lei que irá desenvolver funções próprias. Outrossim, faz-se necessário conceituar servidor público, sendo este quem presta serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, remunerado pelos cofres públicos.
A emenda constitucional n. 19 terminou com a previsão constitucional de regime estatutário único, podendo, a partir de então, haver contratação pela Administração Pública Direta e Indireta de servidores pelo regime estatutário e celetista. Com a emenda constitucional n. 19, deu-se uma nova percepção quanto às “classificações” servidores públicos, podendo estes serem estatutários, empregados públicos e servidores temporários. Entretanto, somente os servidores temporários não são submetidos a concurso público prévio para seleção, havendo contratação precária e temporária, por interesse público na forma da lei, como previsto no art. 37, IX, da CF.
Ademais, existem outras exceções à situação descrita de realização de concurso público que são os servidores requisitados, nomeados ou designados, sendo esses, v.g., jurados, membros de Mesa receptora ou apuradora de votos, etc. e que não formam vinculo algum com a administração. Ademais, há os gestores de negócios públicos; os contratados por locação de serviços, como, v.g., advogados perante tribunais; os concessionários, autorizatários e permissionários de serviços públicos; e os delegados de função ou ofício público, como v.g. os notários. Entretanto, tais casos não serão aqui discutidos, atendo-se somente aos cargos comissionados, funções de confiança e servidores temporários.
Os servidores temporários exercem unicamente uma função pública, não podendo ser caracterizada como forma vinculada de cargo ou emprego público, posto que a função ocupada não integra um cargo ou emprego previstos da Administração, mas apenas colabora para sanar uma carência temporária nos quadros da Administração Público. Sendo assim, em razão do caráter precário e temporário, a lei autoriza ao administrador quanto a contratação podendo abrir mão ou não do concurso público, que em determinados casos, sendo realizado, pode corroborar com um prejuízo maior à Administração. As situações que justificam a contratação precária de servidores temporários estão descritas nos artigos da lei nº 8.745/93, que em suma representam situações emergenciais.
Ademais, há também as funções de confiança e cargos em comissão, assim designados na constituição federal brasileira em seu art. 37, V, senão vejamos:

Art. 5º V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

Como se depreende da redação, o inciso prevê a obrigatoriedade de quem exerça função de confiança, já atue como servidor efetivo nos quadros da administração, porquanto os cargos criados em comissão devem ser preenchidos por um mínimo previsto em lei de servidores de carreira, exercendo atribuições de direção, chefia e assessoramento. Ou seja, mesmo que para exercer determinada função de confiança ou cargo em comissão não seja necessária a elaboração de um concurso público específico, sendo estes cargos e funções indicados, há uma restrição à ocupação, a de estar já efetivado aos quadros de funcionários públicos. Tal situação se difere da descrita trazida pela lei n. 8.745/93, que versa sobre os servidores temporários.
Entretanto, na prática observa-se uma verdadeira distorção da discricionariedade concedida ao gestor público ao criar cargos em comissão e se utilizar da contratação temporária, o que pode configurar improbidade administrativa, tendo em vista que a criação de tais cargos é condicionada a situações previstas em lei e que, mesmo quando não previstas, devem ser regidas de acordo com o principio constitucional da moralidade e sempre respeitando o princípio do concurso público.
Destarte, chega-se a mesma vertente: a de se observar a Constituição Federal como principal espectro do ordenamento jurídico brasileiro, tendo-se em mente seu caráter republicano e democrático, ampliando-se, cada vez mais, as garantias sociais e o bem-estar geral. Ou seja, deve-se proteger a coisa pública dos interesses escusos e egoístas dos responsáveis por sua manutenção, que não podem desviar-se da legalidade e moralidade públicas, onerando a máquina administrativa com servidores inaptos para o oficio ou que não tenham suas funções desvinculadas com necessidade real de contratação, mas mero desvio de finalidade. Assim, a contratação de servidores não concursados deve ser realmente uma exceção, e não via de regra, como de praxe, condicionado-a a existência de Lei prévia, ou situação de urgência, a fim de que não se tenha um desvio de finalidade das verbas públicas, o que ensejaria uma futura ação de improbidade administrativa.


REFERÊNCIAS

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito processual constitucional: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2006.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14 ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2004.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ed. São Paulo: Atlas, 2008.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24.ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2009.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A ADOÇÃO DO REGIME PRIVADO NOS CONTRATOS CELEBRADOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Por Natan Pinheiro de Araújo Filho

Advogado



No Direito brasileiro, é possível deparar-se com a dicotomia “contratos administrativos” e “ contratos da Administração”, sendo esta acepção, segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, utilizada para abranger todos os contratos celebrados pela Administração Pública, enquanto aquela é designada para os ajustes da Administração celebrados para a consecução de fins públicos, sob regime jurídico de direito público. Destarte, a noção genérica de contratos da administração engloba, outrossim, os contratos realizados pela administração sob o regime de Direito privado. Entretanto, pode-se afirmar que a Administração goza de discricionariedade na adoção do regime jurídico, optando livremente pelo regime privado na execução de seus contratos?

Como se pode abstrair, a Administração Pública pode realizar diversas modalidades contratuais, sendo estas regidas pelo direito público ou pelo direito privado. Porém não é correto afirmar que a Administração pode optar livremente pelos regimes supramencionados.

A disposição é mera conseqüência do acolhimento da doutrina francesa do contrato administrativo, segmentando certos contratos em que a Administração, representante do interesse público, não poderia renunciar às suas prerrogativas para se submeter integralmente ao direito privado, equiparando-se ao particular.


Os contratos administrativos são caracterizados por serem “verticais”, sendo concebidos por alguns doutrinadores como legítimos atos unilaterais, em razão da posição de supremacia desempenhada pelo poder público, quem dita as “regras contratuais”, enquanto nos contratos da Administração, regidos pelo direito privado, o ente público é posto em situação de equivalência ao particular, denunciando-se, destarte, o caráter individualista desta forma contratual, o que é incompatível com o interesse coletivo.

Porém, para alguns doutrinadores a Administração não realiza atos meramente privados, ou exclusivamente públicos, pois, atualmente, ela está submetida tanto ao Direito Publico quanto ao Direito Privado, na prática. Ademais, este é o pensamento de Carlos Ari Sundfeld, senão vejamos:

“Quaisquer contratos da Administração estão, em todas as etapas de sua vida, sujeitos à observância do regime do direito administrativo, donde a impropriedade (e o perigo) de definir uma parcela deles como privados. A doutrina, inclusive brasileira, já vem reconhecendo que, mesmo nos ditos contratos estatais privados, incidem regras de direito administrativo, especialmente no tocante às condições e formalidades para a contratação (como a definição da competência para celebrar o ajuste, a necessidade de licitação, etc.) e a seu controle (através do Tribunal de Contas, p. ex.), o que é correto. Mas ainda persiste a idéia de que seu conteúdo seria determinado pelo direito privado. Parece-nos falsa essa visão, eis que os princípios e regras de direito público, ao incidirem nos contratos comuns, acabam por construir um regime novo, tipicamente administrativo, também para seu conteúdo”. (Licitação e Contrato Administrativo, 1994, p. 201).

Ademais, a legislação pátria rege a Administração pública com base em princípios que asseguram a segurança jurídica e o interesse coletivo, diferenciando a autonomia privada da legalidade dos atos da Administração. Apesar da influência civilista quanto aos conceitos do Direito Administrativo, não devemos olvidar a inexistência de autonomia privada da Administração, flagrante em nossa legislação, que condiciona seus atos à existência de procedimentos específicos, inafastáveis, e que excepcionalmente deslancham em contratações precárias sem um processo licitatório, mas também tais situações são previstas no ordenamento. Ou seja, não há plena liberdade de escolha entre o regime de direito privado ou público na realização de um contrato pela Administração, mas mera discricionariedade condicionada, por meio das opções apontadas pela legislação, possuindo, assim, caráter residual. Como exemplo, pode-se mencionar o art. 6º da lei nº 11.107/2005 que prevê personalidade jurídica de direito privado para o consórcio, caso obedeça requisitos do direito civil.

[...] O regime privado é baseado na liberdade individual e na autonomia da vontade, na assegurada possibilidade de busca de interesses egoísticos. Esse regime é incompatível com a natureza do Estado. Por definição, o Estado é um ente instrumental, existe para o cumprimento de uma função, vale dizer, para a busca do bem comum, para a concretização do interesse público. O Estado jamais, e não há exceção a essa assertiva, pode buscar a realização de interesses privados, só pode buscar o interesse público, pleonasticamente, para fins didáticos, qualificado como primário[...]

Assim, pode-se deduzir que a Administração pública, tendo em vista os princípios que norteiam sua atuação e a supremacia do interesse público, não possui liberdade para adotar o regime privado para os contratos que realiza, a não ser nas hipóteses previstas em lei e obedecendo os requisitos designados para tanto.



REFERÊNCIAS

BRASIL. Jurisprudência. STF. Disponível em: <>.

MARTINS, Ricardo Marcondes. Contratos administrativos. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n°. 17, janeiro/fevereiro/março, 2009. Disponível na Internet: .

MELO, Celso Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007.
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito processual constitucional: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2006.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24.ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2009.

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 21ed. São Paulo: Atlas, 2008.

SOUTO, Marcos Juruena Villela. Licitações & contratos administrativos. 2ª edição, Rio de Janeiro:Esplanada, 1994.