segunda-feira, 8 de março de 2010

CONCURSOS PÚBLICOS E SUA NÃO OBRIGATORIEDADE FRENTE À CF/88

Por Natan Pinheiro de Araújo Filho
Advogado

Muito se tem debatido acerca das contratações realizadas pelo Estado de servidores sem concurso público, havendo uma questionada constitucionalidade das mesmas em face do princípio do concurso público, consagrado no artigo 37 de nossa Carta Magna, mais precisamente seus incisos II, V e IX. Apesar de tal previsão é praxe haver a contratação sem concurso público pelos órgãos do Estado e que muitas vezes não sabemos precisar se tal situação afronta ou não a moralidade pública, devido à tamanha complexidade da Matéria Administrativa.
Inicialmente, é de bom grado indicar a acepção de cargo e função adotados neste texto. Função Pública denota o encargo, o relacionamento, entre o Estado e seus agentes, enquanto Cargo é a ocupação instituída por lei que irá desenvolver funções próprias. Outrossim, faz-se necessário conceituar servidor público, sendo este quem presta serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, remunerado pelos cofres públicos.
A emenda constitucional n. 19 terminou com a previsão constitucional de regime estatutário único, podendo, a partir de então, haver contratação pela Administração Pública Direta e Indireta de servidores pelo regime estatutário e celetista. Com a emenda constitucional n. 19, deu-se uma nova percepção quanto às “classificações” servidores públicos, podendo estes serem estatutários, empregados públicos e servidores temporários. Entretanto, somente os servidores temporários não são submetidos a concurso público prévio para seleção, havendo contratação precária e temporária, por interesse público na forma da lei, como previsto no art. 37, IX, da CF.
Ademais, existem outras exceções à situação descrita de realização de concurso público que são os servidores requisitados, nomeados ou designados, sendo esses, v.g., jurados, membros de Mesa receptora ou apuradora de votos, etc. e que não formam vinculo algum com a administração. Ademais, há os gestores de negócios públicos; os contratados por locação de serviços, como, v.g., advogados perante tribunais; os concessionários, autorizatários e permissionários de serviços públicos; e os delegados de função ou ofício público, como v.g. os notários. Entretanto, tais casos não serão aqui discutidos, atendo-se somente aos cargos comissionados, funções de confiança e servidores temporários.
Os servidores temporários exercem unicamente uma função pública, não podendo ser caracterizada como forma vinculada de cargo ou emprego público, posto que a função ocupada não integra um cargo ou emprego previstos da Administração, mas apenas colabora para sanar uma carência temporária nos quadros da Administração Público. Sendo assim, em razão do caráter precário e temporário, a lei autoriza ao administrador quanto a contratação podendo abrir mão ou não do concurso público, que em determinados casos, sendo realizado, pode corroborar com um prejuízo maior à Administração. As situações que justificam a contratação precária de servidores temporários estão descritas nos artigos da lei nº 8.745/93, que em suma representam situações emergenciais.
Ademais, há também as funções de confiança e cargos em comissão, assim designados na constituição federal brasileira em seu art. 37, V, senão vejamos:

Art. 5º V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

Como se depreende da redação, o inciso prevê a obrigatoriedade de quem exerça função de confiança, já atue como servidor efetivo nos quadros da administração, porquanto os cargos criados em comissão devem ser preenchidos por um mínimo previsto em lei de servidores de carreira, exercendo atribuições de direção, chefia e assessoramento. Ou seja, mesmo que para exercer determinada função de confiança ou cargo em comissão não seja necessária a elaboração de um concurso público específico, sendo estes cargos e funções indicados, há uma restrição à ocupação, a de estar já efetivado aos quadros de funcionários públicos. Tal situação se difere da descrita trazida pela lei n. 8.745/93, que versa sobre os servidores temporários.
Entretanto, na prática observa-se uma verdadeira distorção da discricionariedade concedida ao gestor público ao criar cargos em comissão e se utilizar da contratação temporária, o que pode configurar improbidade administrativa, tendo em vista que a criação de tais cargos é condicionada a situações previstas em lei e que, mesmo quando não previstas, devem ser regidas de acordo com o principio constitucional da moralidade e sempre respeitando o princípio do concurso público.
Destarte, chega-se a mesma vertente: a de se observar a Constituição Federal como principal espectro do ordenamento jurídico brasileiro, tendo-se em mente seu caráter republicano e democrático, ampliando-se, cada vez mais, as garantias sociais e o bem-estar geral. Ou seja, deve-se proteger a coisa pública dos interesses escusos e egoístas dos responsáveis por sua manutenção, que não podem desviar-se da legalidade e moralidade públicas, onerando a máquina administrativa com servidores inaptos para o oficio ou que não tenham suas funções desvinculadas com necessidade real de contratação, mas mero desvio de finalidade. Assim, a contratação de servidores não concursados deve ser realmente uma exceção, e não via de regra, como de praxe, condicionado-a a existência de Lei prévia, ou situação de urgência, a fim de que não se tenha um desvio de finalidade das verbas públicas, o que ensejaria uma futura ação de improbidade administrativa.


REFERÊNCIAS

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito processual constitucional: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2006.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14 ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2004.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ed. São Paulo: Atlas, 2008.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24.ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2009.