terça-feira, 11 de maio de 2010

O Poder de Polícia: Debate Doutrinário Acerca da Legalidade dos Atos da Administração

Por Natan Pinheiro de Araújo Filho
Advogado



O Estado, nos moldes da obra “Leviatã” de Thomas Hobbes, era caracterizado por seu absolutismo, o qual ignorava o bem-estar coletivo e as liberdades individuais. A partir desta concepção, observa-se que a figura estatal não representava os interesses da população, subjugando-a ao bel prazer do monarca, quem, neste jus politiae, estava alheio às imposições e restrições impostas pelo Estado. Posteriormente, em meio a tantos abusos de poder, através de lutas sociais instituiu-se o Estado de Direito, sob o qual se funda o ideal de segurança jurídica e de liberdade. Senão vejamos o que leciona DI PIETRO:


Em resumo, nesta fase, conhecida como Poder de Polícia, o jus politiae compreendia uma série de normas postas pelo príncipe e que se colocavam fora do alcance dos Tribunais. Com o Estado de Direito, inaugura-se nova fase em que já não se aceita a idéia de existirem leis a que o próprio príncipe não se submeta. Um dos princípios básicos do Estado de Direito é precisamente o da legalidade, em consonância com o qual o próprio Estado se submete às leis por ele mesmo postas.

Desta feita, observa-se que, outrora, o poder de polícia encontrava-se exacerbado, anulando as liberdades individuais das sociedades e preterindo o bem estar comum. Neste sentido, inexistia o conceito de interesse público, vez que a coletividade era voltada para o bem estar e as intenções de um único membro absoluto, o Príncipe.

A contrario sensu, com os movimentos liberalistas, houve um excesso de segurança às liberdades individuais, modelo esse, também, incompatível com o propósito de interesse público essencial a existência de um Estado soberano. A partir daí, viu-se a necessidade de se regular as liberdades individuais de forma a preservar a ordem pública, mas sem ocasionar um retrocesso histórico, surgindo o conceito moderno de poder de polícia.

Pelo conceito moderno, adotado no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público.[...]O Poder Legislativo, no exercício do poder de polícia que incumbe ao Estado, cria, por lei, as chamadas limitações administrativas ao exercício das liberdades públicas.

Nesta esteira, observa-se que o conceito de poder de polícia, em respeito à segurança jurídica e às liberdades individuais, tem o princípio da legalidade como requisito imprescindível de validade. Assim, não há de se falar em poder de polícia legítimo quando não fundado em previsão legal. É de bom grado ressaltar que a Jurisprudência pátria é uníssona:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA RMS 21922 GO 2006/0090644-1 (STJ) ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRANSPORTE COLETIVO E INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS. TAXI. PENALIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. 1. A aplicação de penalidades está sujeita ao princípio da legalidade estrita. Mesmo no âmbito do poder de polícia, a Administração não está autorizada a aplicar sanções não previstas em lei. Não é legítima a aplicação a motoristas de taxi, modalidade de transporte individual, de penalidades estabelecidas para infrações no âmbito do transporte coletivo de passageiros. No âmbito do poder estatal sancionador, penal ou administrativo, não se admite tipificação ou penalização por analogia. 2. Recurso ordinário provido. STJ - 05 de Junho de 2007

Ao se tratar de atos da Administração Pública tende-se a uma aplicação inversa do princípio geral da legalidade, caracterizando verdadeira autorização de conduta à Administração. Há, nestes termos, expressa autorização legal, reputando-se nulos os atos praticados pela Administração Pública quando não previstos em lei, inclusive em se tratando de atos de Poder de Polícia.

Não se olvidando o princípio da legalidade administrativa, depreende-se que todos os atos, inclusive o Poder de Polícia estão submetidos, em regra, à obrigatoriedade de previsão legal, segundo leciona MARIA SYLVIA DI PIETRO em seu curso de Direito Administrativo. MARTINS , em brilhante exposição sobre os posicionamentos doutrinários acerca da possibilidade de atuação da Administração não amparada por previsão legal, assim explicita:

A Administração não pode no Estado de Direito atuar sem estar calçada numa norma jurídica, como os princípios não eram considerados normas jurídicas, faziam-se sempre necessárias as regras. [...]

A doutrina majoritária, como já exposto, entende pela necessidade de previsão legal para haver uma obrigação de poder de polícia imposta a um cidadão, existindo apenas a denominada discricionariedade, na qual o agente, na aplicação do poder de polícia, possui alternativas previamente estabelecidas em lei, cabendo ao agente optar pela mais conveniente ao caso.

Entretanto, partindo-se para um espectro mais formalista do conceito de “lei”, observa-se que parte da Doutrina admite haver, excepcionalmente, legitimidade de atos praticados pela Administração não fundados em previsões expressas de lei, mas amparados unicamente pelos princípios da motivação e pela própria Constituição Federal, senão vejamos:

Há, correlativamente, uma prerrogativa implícita conferida à Administração Pública de tutelar esses direitos fundamentais. Resultado: o que era um verdadeiro tabu no Direito Administrativo, passou a ser tranqüilamente admitido. A Administração pode, em casos excepcionais, editar atos administrativos não fundados numa lei, entenda-se numa regra infraconstitucional, mas sim fundados diretamente na Constituição.

Na visão de alguns autores, ressalte-se doutrina mais recente, é possível, de forma excepcional, impor restrições às liberdades, realizadas ante o caso concreto, fundadas, exclusivamente, em previsões constitucionais, vez que são suscetíveis de controle pelo poder Judiciário. Senão vejamos os ensinamentos de MARTINS:

Logo, o poder de polícia diz respeito à competência administrativa de impor na falta de lei restrições à propriedade e à liberdade, em concretização dos princípios mais pesados no caso concreto. Restringe-se aos casos excepcionais em que o princípio formal que dá primazia à ponderação legislativa (a aplicação da regra legislativa ou, na falta de regra legislativa, a omissão administrativa) é afastado. [...]

Posto isso, pode-se aduzir que o poder de polícia é instituto que vem sofrendo intensas modificações em sua concepção, vez que esta não possui seus contornos bem delimitados, apesar da inteligência conceitual do art. 78 do CTN acerca do poder de polícia. Assim, tal posicionamento acerca da possibilidade excepcional de manifestação do poder de polícia sem lei expressa previamente autorizando-a, é fruto da necessidade de se garantir a ordem social e o princípio da prevalência do interesse público, visando-se, neste diapasão, atingir o bem-estar comum em um Estado Democrático de Direito, o Estado brasileiro.



REFERÊNCIAS


BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito processual constitucional: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2006.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MARTINS, Ricardo Marcondes. PIRES, Luis Manuel Fonseca; ZOCKUN, Maurício (org.). Poder de Polícia. Intervenção do Estado. São Paulo: Quartier Latin, 2008. Material da 1ª aula da Disciplina Poder de Policia e Direito Ambiental, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Municipal – Anhanguera-Uniderp | REDE LFG.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24.ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2009.