quinta-feira, 22 de julho de 2010

A evolução do Comércio Internacional e a Nova Lex Mercatoria

Por Natan Pinheiro
Advogado
  1. A origem das transações comerciais “internacionais” remonta aos primórdios da humanidade, sendo, as inúmeras alterações em seu modos operandi, em decorrências das novas concepções de Estado adotadas, um ponto marcante em sua evolução. Apesar de suas bases se encontrarem nas transações realizadas pelos povos fenícios, gregos, árabes, romanos, etc. foi durante a Idade Média e com a evolução do capitalismo comercial, que o Comércio Internacional expandiu, com o surgimento de uma lex mercatoria para aplicação específica pelos tribunais organizados nas feiras dos comércios ingleses. Esta referida lei tinha como supedâneo os costumes traçados pelos mercadores não levando em consideração o local em que era empregada. Assim, constituía-se um direito sem nacionalidade, que buscava atingir o animus da prática comercial existente, ao passo que, em se quanto maior a presença de um Estado Nacional, que interferia nas relações intersubjetivas comerciais, menos representatividade possuía a aludida Lex Mercatoria. Entretanto, as relações comerciais internacionais nunca perderam sua principal característica: a preservação da autonomia da vontade. Mesmo com a existência de um Estado Nacional mais atuante, as relações internacionais comerciais privadas se mantiveram guiadas pelo Direito Internacional Clássico e a vontade dos comerciantes até a Primeira Grande Guerra Mundial.
  2. Foi a partir desse meio e após o advento da Segunda Grande Guerra Mundial, que surgiu a nova Lex mercatoria, a qual não mais se fundava na simples técnica da vontade negocial, mas, outrossim, possuía inúmeras outras técnicas que solidificaram este ramo do Direito como direito “anacional”, fundado em usos e costumes internacionais, jurisprudência arbitral e contratos-tipo.
  3. A globalização é um elemento contemporâneo de extrema relevância quanto a constituição da nova lex mercatoria, dês que permitiu às relações comerciais uma maior abertura entre as nações, contribuindo com a criação de uma linguagem única entre os povos de diferentes nações e culturas. Assim, por meio deste evento típico do capitalismo e da exacerbação da autonomia da vontade, relativizou-se distância físicas e barreiras jurídicas entre as diferentes nações que compõem a comunidade internacional.
  4. Ademais, com a revolução tecnológica que as sociedades contemporâneas sofreram e compartilharam, quase que simultaneamente, diferentemente da revolução industrial, as trocas de informação e as negociações se tornaram mais céleres. Esta situação de celeridade de informações, contribui para maiores inovações nas relações comerciais atendendo às demandas que o mercado impõe.
  5. Um dos fatores de maior relevância quanto às relações internacionais no âmbito privado é a necessidade de adequação das normas adotadas à natureza das demandas, assim, fazendo-se necessária uma maior mutabilidade e maleabilidade das regras adotadas, o que, de certo, é incompatível com o modelo legalista próprio dos Estados soberanos.
  6. A nova Lex mercatoria tem como foco principal a resolução de litígios e atendimento de interesses dos agentes do comércio internacional, primando-se pela eficiência e celeridade nas relações comerciais, em consonância com o complexo normativo de cada nação de origem dos agentes comerciais.
  7. Assim, a referida Lex mercatoria compreende um arcabouço jurídico e principiológico consubstanciado a partir de inúmeras fontes que regem as relações estabelecidas entre os agentes do comércio internacional.
  8. Principais fontes do Direito Internacional do Comércio
  9. O Direito Internacional do Comércio, em razão do seu próprio progresso histórico, possui inúmeras fontes esparsas, que objetivam uma consolidação das normas do trato comercial. Dentre estas fontes, as principais são os próprios princípios gerais do direito, os usos e costumes comerciais internacionais, os contratos-tipo e a jurisprudência arbitral.
  10. Os princípios gerais de direito norteiam todas as relações admitidas perante o cenário internacional, respeitando a soberania das nações, mas, na mesma esteira, preservando a autonomia da vontade e a vinculação ao contrato (pacta sunt servanda). Busca-se, outrossim, uniformizar a legislação mercante internacional, através da reiteração dos costumes e práticas adotadas nas transações e procedimentos comerciais materializando-os em ordenamentos como, v.g., os Incoterms, Regras Uniformes sobre garantias contratuais e os Créditos Documentários.
  11. Observe-se que a uniformização das normas sobre relações comerciais internacionais termina por auxiliar em uma maior eficiência das transações e procedimentos adotados, e nesse diapasão surgem os contratos-tipos que são regulamentações (contratos padronizados), com simples modificação de matéria e objeto caso a caso, mantendo-se a “fórmula” padrão.
  12. Nos mesmos moldes do Estado Nacional, a comunidade internacional do comércio busca padronizar seus entendimentos em prol da eficiência e economicidade criando-se, igualmente, uma espécie de “Estado Internacional” constituindo regras próprias, costumes e, inclusive, uma jurisprudência própria, formulada pelos decisões arbitrais. Estas, não gozam de imperatividade jurídica perante os agentes, desde que não emitidas pelo Estado soberano, entretanto não é o defendido pelos próprios agentes internacionais, que alegam existirem mecanismos suficientes para controle das relações comerciais sem a interferência do poder Estatal.
  13. A referida matéria é de extrema delicadeza, pois, muitas vezes, pode-se interpretar uma intervenção estatal em uma relação comercial internacional, como afronta à soberania do estado no qual possui sede a empresa rechaçada. Daí se infere a real necessidade de se consolidar as regras e o trato comercial internacional, a fim de se possibilitar ao Comércio Internacional uma capacidade de auto-gestão, sem interferências diretas, ou mesmo minimizá-las, dos Estados aos quais os agentes comerciais internacionais pertencem.
  14. Como se pode abstrair, as relações comerciais internacionais são mera extensão dos direitos decorrentes da autonomia, que não podem, em hipótese alguma, serem preteridos, restringidos ou ignorados por mera arbitrariedade da vontade de um Estado Nacional soberano. Ademais, não há de se falar em soberania, em tempos de democracia, quando aquela impossibilita, aos que a legitimam, a representatividade da autonomia da vontade perante o cenário internacional.
  15. O comércio internacional tem um papel de suma importância para o exercício da cidadania e para a preservação da autonomia de um povo, devendo se valer das regras já solidificadas pela própria evolução histórica da sociedade e as experiências já vividas pela mesma.


REFERÊNCIAS

AMARAL, Ana Paula Martins. Lex Mercatoria e Autonomia da Vontade. Disponível em: . Acesso em: 26 nov. 2007.

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Intercional Privado: Teoria e Prática. Saraiva: São Paulo, 2009.